Representantes do Ministério da Fazenda e do Banco Central acertaram com o deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ) que o projeto que modifica a legislação sobre as duplicatas eletrônicas, de autoria do parlamentar, será alterado para que os protestos de títulos continuem a ocorrer, necessariamente, nos cartórios antes de irem para a Justiça.
As duplicatas são títulos de crédito que representam uma mercadoria vendida ou serviço prestado que serão pagos a prazo (mais de 30 dias). A atualização da lei sobre esse instrumento virou prioridade do governo Temer e do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com o objetivo de reduzir os juros para as empresas.
O projeto tornava o protesto das duplicatas em cartório facultativo. Isso abriria espaço para que a cobrança fosse feita por outras instituições (como as próprias gestoras das duplicatas) ou diretamente em ações judiciais.
“Realmente poderia virar um problema. Hoje 70% das duplicatas protestadas são pagas sem necessidade de disputa judicial. Só 30% vão para os tribunais. Então tornar o protesto nos cartórios facultativo poderia aumentar os litígios”, diz o autor do projeto. De acordo com o parlamentar, só 2% das duplicatas são alvos de protesto em cartório.
O protesto em cartório era também demanda das entidades de defesa do consumidor, afirma o deputado Celso Russomanno (PRB-SP), que participou do acordo. Após ser notificado em cartório, o devedor tem 48 horas para pagar só o valor da dívida, sem os demais encargos. Se a cobrança for à Justiça, haverá também multa, juros, custas do processo e honorários advocatícios.
Russomanno diz que existem escritórios de advocacia especializados em comprar as duplicatas por valores baixos e forçarem uma ida à Justiça para lucrarem com esses encargos extras. “Uma duplicata de R$ 10 mil pode chegar a custar R$ 18 mil depois de uma disputa judicial”, afirma o líder do PRB na Câmara.
Com o acordo em torno do projeto, a expectativa de Lopes é votar um requerimento de urgência na Câmara na próxima semana e o mérito do projeto – que ainda precisa passar pelo Senado – assim que os deputados terminarem a votação da proposta que torna automática a adesão ao Cadastro Positivo.
As gestoras de crédito e entidades de representação dos lojistas, contudo, não gostaram dos termos do acordo. O presidente da SPC Brasil, Roque Pellizzaro Junior, defende a manutenção da redação original do projeto. “O texto estava muito bem construído, foi muito bem pensado. Ouviu a indústria, o comercial e sistema financeiro. A duplicata eletrônica traz velocidade imensa para o ambiente de negócios, que é o que Brasil precisa”, diz.
Segundo Pellizzaro, em sua redação original, o protesto de duplicatas deixa de ser obrigatório e passa a ser facultativo. “Não há necessidade desse anacronismo de precisar fazer papel, fazer remessa de protesto para poder executar. É algo fora do tempo”, afirma. Para ele, no sistema digitalizado o número de protestos também deve cair muito porque não será mais possível utilizar a mesma duplicata como garantia em dois bancos diferentes. “Os bancos poderão antecipar esses recebíveis com muito mais segurança”, ressalta.
Escolhido esta semana relator do projeto, o deputado Índio da Costa (PSDRJ) disse que também não gostou muito do acordo costurado. “Ainda vou estudar com calma o projeto, mas sou contra [o protesto em cartórios]. Se já está no sistema, não precisa protestar. Vou ver como negociamos isso”, afirmou. Ele ressalta, porém, que a opinião de Maia é que será necessário manter a atuação dos cartórios para aprovar o texto. “O Rodrigo acha que se não mantiver não consegue aprovar porque os tribunais de Justiça também estão contra.”
O principal ponto do projeto, que é criar um sistema de registro para todas as duplicatas, que ficariam registradas em gestoras de crédito, mas com as informações concentradas no Banco Central, está mantido.
Isso, dizem os defensores o projeto, acabará com as duplicatas de gaveta e com a necessidade do chamado “aceite” pela empresa tomadora de serviços ou compradora para que o prestador possa procurar um banco para antecipar o pagamento – e em troca, ele aceita receber o valor com desconto. Como depende do aval do tomador do serviço, essa relação fica engessada. “O tomador só aceita liberar para uma instituição bancária que ele já tem relação e o empresário não consegue procurar juros menores”, diz Lopes. Com a liberdade para antecipar o recebível em qualquer instituição financeira, ele poderia buscar aquela com melhores taxas de juros.
O sistema, contudo, também provoca ressalvas na base do governo. Para o deputado Áureo (SD-RJ), autor de requerimento para que o PL passasse por mais comissões da Câmara, é preciso aprofundar o debate. “A maioria das duplicatas hoje não é registrada, é de gaveta. O empresário terá um custo extra”, disse. Enquanto estavam em guerra contra o PL, os cartórios calcularam o custo em R$ 40 bilhões por ano.
Para Lopes, o valor não é tão alto. Empresas em São Paulo cobrariam entre R$ 1,50 e R$ 1,70 por duplicata. “É menos que um boleto de cobrança e será insignificante perto dos ganhos”, defendeu. Além da redução de juros, diminuiriam também as duplicatas “frias” por existir controle maior dos lançamentos.
Crédito: Valor Econômico