Com a edição da Resolução n. 228 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentou a aplicação da Convenção em âmbito nacional, buscaremos elucidar alguns pontos de ordem prática, embora saibamos da pendência de edição de Provimento que regrará a atuação das autoridades apostilantes
Breves notas sobre o aspecto prático da Apostila de Haia – Felipe Leonardo Rodrigues*
[Felipe Leonardo Rodrigues] *O autor é tabelião substituto em São Paulo.
Quando da promulgação do Decreto legislativo n. 148/2015, que aprovou a Convenção de Haia no plano jurídico externo, fizemos pequenos comentários no artigo intitulado “Depois de 50 anos, Brasil adere à Convenção de Haia”.
Em fevereiro de 2016, quando da promulgação do Decreto federal n. 8.660/2016, que aprovou a Convenção de Haia no plano jurídico interno, escrevemos outro pequeno artigo sobre alguns aspectos da Convenção denominado “Breves nótulas sobre a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros”.
Com a edição da Resolução n. 228 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentou a aplicação da Convenção em âmbito nacional, buscaremos elucidar alguns pontos de ordem prática, embora saibamos da pendência de edição de Provimento que regrará a atuação das autoridades apostilantes.[1]
Contudo, é possível fazer algumas considerações e buscar contornos práticos sobre o fazer apostilante -, uma abordagem inicial sobre o tema. Apresentamos a seguir algumas notas práticas.
Países não integrantes da Convenção
O notário[2], antes da prática do apostilamento, deve consultar a tabela atualizada de membros da Convenção e verificar se o país de destino do documento é integrante da Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Documentos Públicos Estrangeiros.
Deve igualmente checar a data de entrada em vigor da Convenção para ambos os países e informar o interessado sobre esta circunstância. Ainda que não integrante, a pedido do requerente, é possível fazer o apostilamento.[3]
O CNJ publicará e manterá lista atualizada dos países para os quais será possível a emissão do documento.[4]
Se o país não for membro integrante ou tiver feito oposição à adesão brasileira, persistirá a necessidade de legalização consular ou diplomática.
O notário informará ao interessado que procure a embaixada ou o consulado do país para o qual deseja apresentar o documento para saber quais são os procedimentos necessários.
Aceitação de Apostilas emitidas antes ou após a adesão do Brasil
As apostilas emitidas pelos países membros serão aceitas em todo o território nacional a partir de 14 de agosto de 2016, inclusive aquelas emitidas em data anterior à vigência da referida Convenção no Brasil.
Os cartórios extrajudiciais como autoridades apostilantes no limite de suas atribuições
Os titulares dos cartórios extrajudiciais foram escolhidos pelo MRE e CNJ para serem as autoridades apostilantes para a emissão da Apostila em documentos públicos produzidos em território nacional.
O CNJ é o ente fiscalizador, conjuntamente com as corregedorias locais, das autoridades apostilantes, gestor do sistema e faz a interconexão com Conferencia de Haia em nível internacional.
Não importa a atribuição genuína, nem a natureza da delegação (do cartório), se notas, imóveis, protesto, pessoas naturais, jurídicas, documentos, marítimo etc., todos os cartórios extrajudiciais são aptos a serem autoridades apostilantes (para a emissão da Apostila)[5].
A ideia foi utilizar a credibilidade e capilaridade dos cartórios, independentemente de sua natureza, para realizar o apostilamento com eficiência e atender os interessados do serviço com urbanidade e presteza.
Apesar da prestação do serviço de apostilamento se iniciar pelas capitais, nada impede que os cartórios do interior, para o exercício do apostilamento, solicitem autorização à Corregedoria Nacional de Justiça, por meio de procedimento próprio e individualizado.
É de ressaltar que o apostilamento não se vincula ao cartório da localidade de procedência do documento, ou seja, independe do local de procedência do documento. P.ex. um documento com procedência em Curitiba pode ser apostilado num cartório em São Paulo, e vice-versa.
O CNJ manterá e publicará ao público em geral, em sua página eletrônica, a lista atualizada das autoridades brasileiras habilitadas a emitir a apostila.
O que significa, no limite de suas atribuições
Significa que o apostilamento pode ser realizado pelos titulares dos cartórios extrajudiciais, nos limites de sua competência, não havendo a necessidade de edição de lei específica para autorizar os cartórios a emitir apostila. E, os limites de suas atribuições são o quanto autorizativo.
Bem verdade que o texto normativo leva o interprete à dúvida. Parece-nos que os titulares dos cartórios extrajudiciais podem apostilar qualquer documento público independentemente do ente emissor (exceto aqueles de interesse próprio - interno - do Poder Judiciário, dos consulados e diplomáticos, os mercantis e alfandegários), não ficando os cartórios - para a emissão da apostila - vinculados aos atos que lhes são próprios.
Igual verdade que, cartórios não afetos ao manejo documental ficarão, provavelmente, circunscritos aos atos que lhes são próprios[6].
Identificação do interessado (signatário ou portador)
O sistema mexicano, que serviu de espelho para o sistema brasileiro, exige para a emissão da apostila a apresentação de cópia do documento de identificação do interessado.
Parece-nos prudente solicitar requerimento (singelo) assinado pelo interessado, pois o notário não age de ofício e (anexar a este) a cópia do documento de identificação do solicitante, assegurando possibilidade de eventual resgate da informação.[7] O requerimento também servirá para constar quais assinaturas do documento o interessado desejou apostilar.
Documento contrário à legislação brasileira
O notário deverá fazer a qualificação notarial do documento apostilando sob dois aspectos.
Sob o aspecto extrínseco, o notário não deve se restringir ao aspecto morfológico do documento, mas verificar, com cautela, se o documento contém rasuras, supressão de palavras ou linhas ou, ainda, quaisquer outros sinais suspeitos indicativos de possíveis fraudes.
Sob o aspecto intrínseco, o notário deve analisar o conteúdo do documento - ainda que de modo superficial -, para não apostilar documento que evidentemente consubstancie ato contrário à lei, à moral e aos bons costumes.
Após a análise, resultando na qualificação positiva, o ato será praticado; se resultar negativa, o ato deverá ser negado.
Importante ressaltar que, qualquer falha no procedimento notarial poderá incidir o notário nas penalidades previstas na Lei n. 8.935/94.
Documento público ou particular com firma reconhecida
O documento público tem força probante per si (art. 405, CPC).
O documento particular com assinatura reconhecida por notário (art. 411, CPC), pela Convenção, tem status de documento público para fins de (existência e) apostilamento, conforme se depreende do art. 1º, letra “d”, da Convenção.[8]
Mas como será verificada a procedência (e legitimidade) dos documentos apresentados?
A Resolução não diz. O manual da apostila menciona que cabe à autoridade apostilante prover meios para assegurar a procedência do documento.
Então, para o apostilamento, se faz necessário a checagem das assinaturas constantes nos documentos apresentados - procedimento de extrema segurança para o sistema.
O sistema mexicano prevê uma central de assinaturas por meio da qual as autoridades apostilantes consultam previamente ao apostilamento a autenticidade das assinaturas constantes nos documentos apresentados.[9]
Não vimos algo semelhante no sistema brasileiro, que nada impede seja criado, mas a priori não dispomos desse banco.
Desta forma, é prudente que as autoridades apostilantes brasileiras analisem as assinaturas constantes nos documentos (públicos ou particulares com firma reconhecida) apresentados para o apostilamento por meio da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados - CENSEC ou por meio de sinal público depositado na serventia.[10]
Para os documentos públicos que não sejam notariais ou registrais será necessário providenciar o reconhecimento da assinatura daquele que assinou o documento. Os documentos particulares, aceitos pelas instituições estrangeiras, sempre deverão ser apresentados com a assinatura reconhecida.
Apta a assinatura, após diligente conferência, a apostila será emitida.
É de ressaltar que, o próprio manual da Apostila prevê a possibilidade de a autoridade apostilante definir uma autoridade intermediária para verificar e certificar a origem de certos documentos públicos.[11]
Para os documentos notórios, não há outro requisito para checar a procedência[12]. P. ex.: documento de identidade (RG), CNH, carteiras de classe etc.
Sobre o cargo ou função exercida e a instituição que representa
O documento público per si (art. 405, CPC) presume a legitimidade da função de quem o assina, bem como os poderes de representação sobre a instituição que o expede.
O documento particular, também, quando lhe é reconhecido a firma, leva os atributos de autenticidade (art. 411, CPC), podendo aferir-se a informação sobre o cargo ou função.[13]
Documento apenas com selo ou carimbo, sem assinatura
Parece-nos que documento sem assinatura contendo apenas selo ou carimbo não é possível apostilar, pois não há meios seguros para aferir a sua procedência, demandando atendimento no MRE ou nos escritórios regionais.
Documento original e documento eletrônico
A Convenção e a Resolução CNJ n. 228 não proíbem o apostilamento de cópias autenticadas, mas o notário deve ter prudência nesses casos, p. ex.: apostilar cópias autenticadas emitidas por ele próprio ou por outros delegados, após conferência do sinal público, fazendo circunstância menção no sistema SEI.
O sistema SEI, neste momento, não permite apostilar documento nato digital, assinado digitalmente ou sob código de autenticidade, neste caso, o notário deverá converter o documento para papel e apostilá-lo.
Documento judicial
As Corregedorias Gerais de Justiça e os Juízes Diretores do foro nas demais unidades judiciárias, comarcas ou subseções, são autoridades apostilantes quanto aos documentos de interesse interno do Poder Judiciário.
Exceto esta hipótese, os documentos oriundos de processos judiciais, administrativos, certidões dos distribuidores do foro, dentre outros não afetos e de interesse (interno) do Poder Judiciário, poderão ser apostilados pelos cartórios extrajudiciais.
Como se insere a Apostila no documento
A Apostila deve ser colocada ou apensada sobre o documento apresentado, de modo a ligar a apostila ao documento.
Não há um local específico, podendo ser no início ou final do documento.
Além de colar ou apensar, sugerimos que o notário carimbe com o seu carimbo personalizado a junção da Apostila com o documento. Como fazemos atualmente, por exemplo, com os contratos.
A Resolução n. 228/2016 prevê o modelo de carimbo para aplicar exclusivamente na Apostila, com especificações próprias, que não podem ser alteradas.
Uma Apostila para cada assinatura
Para cada assinatura constante no documento corresponderá uma Apostila, independentemente do número de laudas ou folhas/páginas que contenha o documento.[14]
Para a inserção do documento no sistema SEI, o notário deve digitalizá-lo integralmente.
Segunda via da Apostila
Parece-nos possível expedir segunda via do documento e da apostila, fazendo circunstanciada menção no ato, contudo, o interessado deverá se informar se a instituição de destino do documento aceita neste formato. O custo será o da certidão.
Recusa da Apostila nos países (membros) de destino
A apostila somente poderá ser recusada quando:
a) sua origem não pode ser comprovada, ou seja, quando a informação constante na apostila não se encontra nos registros da autoridade apostilante que, supostamente, expediu o documento.[15]
b) o documento apresentado (apostila) for muito diferente do modelo anexo à Convenção.
Os “Certificados de Apostilas” expedidos por outros países, que não são parte da Convenção da Apostila, devem ser recusados em todos os Estados, por serem ilegítimos e contrários à Convenção.
Tradução
A tradução juramentada também deverá ser apostilada, igual ao documento que lhe faz correspondência.[16]
Tradução e Registro de Apostilas oriundas do Exterior
Continua necessário a tradução juramentada e o registro da apostila no RTD para efeito do documento no Brasil.[17]
Controle do papel de segurança
Sugere-se o controle interno no tabelionato, em classificador próprio. A mesma segurança empregada ao papel traslado.
Documento com mais de uma assinatura
O interessado deverá indicar qual assinatura ou se uma ou mais devem ser apostiladas. Há instituições estrangeiras que aceitam apenas a do reitor nos casos de diploma.
Documento muito antigo
Se não for possível ter certeza sobre a procedência do documento, a parte deverá solicitar 2ª via perante o órgão responsável.
Cotação do apostilamento
O Apostilamento é ato sui generis e prescinde de cota no ato, aliás, como não consta na convenção, os Estados Contratantes poderiam estranhar tal carimbo. O notário emitirá o recibo ao interessado.
Enquanto o portal do extrajudicial não estiver adaptado, o notário deverá fazer o controle paralelo e comunicar como procuração sem valor[18].
Vedação da aceitação de documentos legalizados (consularizados) feitos no exterior
O art. 20 da Resolução n. 228 do CNJ informa que os documentos legalizados até 14 de agosto de 2016, serão aceitos até de 14 de fevereiro de 2017.
Parece-nos que tal artigo colide com o art. 2º da Convenção, pois, este dispositivo apenas determina ao país aderente que envide esforços para a dispensa da legalização, em nítido apreço ao apostilamento, mas de forma alguma veda a aceitação de documento legalizado, caso o cidadão assim proceda.
Julho de 2016.
Notas:
[1] Resolução 228/16, art. 17 A Corregedoria Nacional de Justiça editará provimentos para a regulamentação da atuação das autoridades apostilantes, especialmente sobre o controle das atividades regidas por esta Resolução.
[2] Quando me refiro ao termo notário ou procedimento notarial, também quero dizer registador e procedimento registral.
[3] Sob requerimento.
[4] Clique aqui e veja a lista de autoridades dos países aderentes à Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros.
[5] Art. 236, CF.
[6] Igualmente aqueles que não tiverem acesso a CENSEC (Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados).
[7] Inclusive arquivando a cópia eletrônica do requerimento e do documento de identificação.
[8] Também o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, por força do art. 52, da Lei n. 8.935.94.
[9] Há previsão de banco de dados também para carimbos e selos.
[10] Caso não haja meio de conferência da assinatura, ato de apostilar deve ser negado.
[11] Notas 217 Em algumas situações, a Autoridade Competente pode não ser capaz de verificar a origem de todos os documentos públicos que são da sua competência para emitir Apostilas. Este poderia ser o caso onde uma única autoridade foi designada para emitir Apostilas para todos os documentos públicos produzidos num Estado Contratante. Nestas situações, a Autoridade Competente pode definir ser conveniente realizar arranjos para uma autoridade intermediária para verificar e certificar a origem de certos documentos públicos, e, em seguida, emitir uma Apostila para o certificado dessa autoridade intermediária.
[12] Será extraída cópia autenticada do respectivo documento, a qual será objeto do apostilamento.
[13] Ressaltamos que, sobre este aspecto, não incide a fé pública notarial.
[14] Resolução 228/16, art. 18 Os emolumentos corresponderão, para cada apostila emitida, ao custo de Procuração Sem Valor Declarado, segundo os valores vigentes em cada Estado da Federação.
[15] wwwh.cnj.jus.br/apostila/conferencia.
[16] A assinatura do tradutor deve estar reconhecida. É possível apostilar traduções não juramentadas, se a parte desejar, a qual deverá obter informação sobre a sua aceitação na instituição de destino.
[17] A Convenção de Haia eliminou tão somente a legalização. Para o documento em idioma estrangeiro ter validade no Brasil, deve ser acompanhado de sua tradução juramentada (art. 224, do Código Civil, art. 18, parágrafo único, do Decreto federal nº 13.609/1943). Ver art. 129, item 6º e art. 148, ambos da Lei n. 6.015/73, que não foi derrogado pela convenção.
[18] No Estado de S. Paulo a comunicação de atos à CGJ-SP é feita por meio do Portal do Extrajudicial