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Direito de laje. Explicando para quem quer entender – Por Marco Antonio de Oliveira Camargo

Não é preciso ser expert para fazer uma categórica afirmação: muito vai se escrever sobre este novo tipo de direito real; livros e artigos às dezenas serão publicados para explicar ao público interessado – principalmente os profissionais de direito, ávidos por doutrina sobre temas novos e polêmicos – o que vem a ser, como se aplica e se realiza na prática este novo tipo de direito real.


O objetivo deste texto, mais um a ser incluído na longa lista que está se formando na atualidade, entretanto não é ser muito abrangente ou profundo. Trata-se apenas de uma introdução necessária ao estudo que inevitavelmente deverá ocorrer em um momento posterior.

A intenção do autor destas linhas, tabelião de notas que por dever de ofício deverá, em breve, lavrar sua primeira Escritura Pública de Constituição de Direito de Laje  (o título é  somente uma sugestão) e para isso deverá se debruçar sobre a aplicação prática do instituto, é apenas e tão somente esclarecer alguns parâmetros fundamentais, princípios básicos que haverão de fornecer a direção segura para a aplicação prática desta grande novidade.
É fato consumado, mas, de início, uma crítica deve ser feita: modificação tão grande no Direito Brasileiro não deveria ter sido implantada por meio de Medida Provisória. Desejável seria que houvesse acontecido um amplo debate no Congresso Nacional, com a participação de todos os segmentos da sociedade que direta ou indiretamente serão afetados por tão grande novidade.

Em uma norma realmente útil e necessária, embarcou de carona este novo direito sobre o bem imóvel; revolucionário em sua concepção, tão parecido com a Propriedade que com ela quase se confunde, mas que guarda grande diferença em relação a ela.

O cidadão comum, diferentemente do profissional que lida com o direito, não tem a obrigação de saber que até a edição da MP 759 existia no Código Civil a previsão e regulamentação sobre diversos tipos de direitos sobre bens e coisas. O legislador civil, de fato, dedicou um capítulo único e especial aos denominados Direitos Reais (cf. art. 1225 a 1510 ).

A novíssima Medida Provisória, alterou a redação do Código Civil e de outras leis existentes no ordenamento jurídico brasileiro para dar lugar à possibilidade deste novo tipo de direito coexistir com os tradicionais institutos denominados propriedade, – o maior deles – usufruto, servidões, hipoteca, penhor e outros menos conhecidos, dentre eles interessante destacar a superfície, criada pelo legislador em substituição ao antigo direito da enfiteuse, também conhecida por aforamento.

Este novo tipo de direito real, que recebeu a infeliz denominação de Direito de Laje, está relacionado a um bem imóvel e ao uso do espaço aéreo sobre ele, mas não se limita apenas a esta característica básica, pois é obrigatório para sua configuração que possua acesso independente para a via pública.
De fato, este novo direito sobre imóvel, de modo algum se confunde com qualquer outro tipo, principalmente com o maior de todos: a propriedade plena.
O artigo 1229 do Código Civil, ao definir com absoluta precisão o alcance e os limites do direito de propriedade é especialmente esclarecedor sobre o tema em análise e, por tal motivo segue adiante transcrito:

Art.1229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.
A propriedade imóvel corresponde a uma garantia jurídica sobre uma fração específica da superfície do planeta, um espaço físico delimitado no solo, mas que a ele não se limita. O proprietário do imóvel também possui direitos garantidos sobre o subsolo e o espaço aéreo, mas com as limitações impostas pelo referido dispositivo legal.

O direito de laje, como o inteligente leitor já deve ter percebido, é menos do que o direito de propriedade, mas, inevitavelmente, dele não se pode dissociar.

O proprietário pode usar e dispor do direito que a lei lhe garante sobre o espaço aéreo e o subsolo de sua propriedade e, somente porque existe tal garantia legal, é que se torna possível conceber a existência deste novo tipo de direito – o direito de laje.

A primeira e evidente constatação sobre os limites e características do Direito de Laje, portanto, é que ele, sendo menos do que o direito de propriedade, ao ser regularmente constituído deverá representar uma forma de limitação do primitivo direito do qual deriva.

O proprietário, ao realizar o desdobramento de sua propriedade, com a criação de um direito de laje,deverá transmitir para terceiro, seus direitos de uso (e também o de fruição e disposição) sobre parte ou a totalidade do espaço aéreo existente sobre sua propriedade imóvel, mas a uma altura que ainda lhe permita a utilização do solo e/ou do subsolo.

Constituído o direito de laje, o bem imóvel até então existente, sofrerá uma modificação tão grande em sua configuração, que se torna realmente necessária uma profunda alteração em sua descrição. A propriedade imóvel que existia até então, não mais existirá, surgindo em seu lugar duas novas formas de domínio sobre uma fração da superfície do planeta, duas unidades imobiliárias autônomas.

O direito de laje não se confunde e não pode coexistir com o direito da plena  propriedade convencional.

Mas este tipo de situação não é novidade para o direito.

Há muito tempo já se admite uma forma especial de propriedade, conhecida como propriedade horizontal, exatamente por ser limitada em seu aspecto vertical e que não contempla espaço aéreo e nível inferior. Trata-se da conhecida figura da unidade autônoma em condomínio edilício, ou seja: apartamentos, vagas de garagem, salas ou boxes comerciais em edifícios transformados em condomínio, segundo as regras da lei.

DA DENOMINAÇÃO DAS PARTES SOB O NOVO DIREITO

Parece mesmo ser necessária uma nova e adequada denominação para aquele que se coloca no papel de dono do espaço aéreo de um imóvel (o titular do direito de laje sobreposta) e daquele que se coloca na situação de quem igualmente possui direitos sobre o mesmo espaço terrestre, mas limitado ao solo e subsolo.

Por falta de melhor opção, sugere-se denominar a unidade autônoma titular de um direito de laje acompanhado de sua qualificadora:  Laje Sobreposta.  É com esta denominação que a situação é conhecida pela população em geral e a denominação simples Laje  não parece suficientemente esclarecedora de uma situação de direito tão especial. Laje, de fato, pode denominar pura e simplesmente a cobertura de uma edificação ou a divisão entre pavimentos de uma mesma edificação, inclusive de condomínio edilício (embora mais comum seja a denominação pavimento ou andar)
O uso de termo residência sobreposta é comum em muitas regiões do país. Quem desconhece o termo é porque nunca de se dispôs a consultar detidamente a seção de Classificados de Imóveis de algum jornal de boa circulação em qualquer cidade de média ou grande população

O titular do direito, ou o dono da Laje Sobreposta poderia, em uma denominação mais técnica e muito útil para o cadastramento junto à municipalidade, para fins de cobrança de IPTU e Taxas devidas pelo uso do solo urbano (coleta de Lixo, iluminação e manutenção de vias públicas) e também para o registro imobiliário e eventuais negócios jurídicos que venha a realizar (a constituição de hipoteca ou alienação fiduciária, por exemplo) ser denominado como Proprietário Horizontal em Sobreposição ou simplesmente como“Proprietário de Laje em Sobreposição”.

Na medida em que o texto legal não definiu a correta denominação do titular deste novo tipo de direito sobre imóvel, o que se sugere então, neste primeiro momento e, evidentemente, sujeito a críticas e aperfeiçoamento, é a denominação acima.

Se, de um lado, ou mais precisamente, em um pavimento superior, acima, existe um titular de Laje Sobreposta por outro lado, em um pavimento diverso, existe outro cidadão que é igualmente titular de direitos sobre o solo e subsolo daquele mesmo espaço da superfície terrestre. Este cidadão, por não manter em sua esfera patrimonial o pleno domínio sobre o espaço aéreo acima do imóvel, não se confunde com um proprietário convencional.

A posição singular deste cidadão, que igualmente detém direitos sobre o mesmo imóvel, demanda sua correta denominação e identificação, inclusive para que a municipalidade possa correta e adequadamente cadastrar e identificar a sua unidade imobiliária autônoma, dele cobrar sua parcela de responsabilidade no custeio das taxas de uso e ocupação de solo e ainda efetuar a cobrança de imposto predial e territorial urbano.

A ciência da geologia possui uma denominação técnica que pode vir a ser adotada para corretamente identificar este proprietário de imóvel inferior à Laje Sobreposta.

É termo de uso muito pouco usual, mas de significação inquestionável: abaixo daquilo que está sobreposto existe o que está sotoposto.

Muito provavelmente a denominação sotoposta (em oposição à sobreposta) não será incorporada ao uso comum da população. O cidadão possivelmente continuará a usar a mesma denominação que usa na atualidade, ou seja, antes da regularização deste novo tipo de direito: o imóvel que está abaixo da casa sobreposta existente, será simplesmente denominado como térreo.

Entretanto, como acima referido, existe uma necessidade prática de realizar a correta identificação dos diferentes titulares de direito sobre o mesmo imóvel. No mínimo, para finalidade de cadastro e tributação pela municipalidade, mas também para efeitos de contratação formal e registro imobiliário deste novo tipo de direito real..

Uma denominação possível e de boa precisão técnica seria, portanto, proprietário horizontal sotoposto (ouem sotoposição).

Mesmo parecendo difícil e pouco prático é importante considerar a possibilidade de utilizar uma denominação adequada à situação singular do imóvel no qual exista a propriedade horizontal do tipo Laje Sobreposta regularmente instituída e registrada no registro imobiliário. A denominação “proprietário térreo” é claramente incompleta para definir e corretamente indicar a situação jurídica da propriedade compartilhada do imóvel existente abaixo de uma laje sobreposta a ele.

É complexa a aplicação desta novidade em matéria de direito real e necessário será evitar qualquer possibilidade de confusão entre a situação peculiar do direito de laje sobreposta, ainda novidade no mundo do direito, com o direito de superfície e também com a propriedade em regime de condomínio, institutos de uso consolidado sobre os quais a doutrina e jurisprudência oferecem alargados ensinamentos.

O TEXTO DA NORMA

A citada Medida Provisória nº 759, editada nos últimos dias do ano de 2016, ao criar este novo direito real limitou-se a alterar um artigo do Código Civil em vigor, o de número 1.225, que enumera as diferentes espécies de direitos reais existentes em nosso ordenamento jurídico, nele incluindo um novo inciso (XIII, a laje) e a criar um novo artigo do mesmo diploma legal, o de número 1.510-A.

Com a entrada em vigor desta Media Provisória nº 759, o Código Civil foi então acrescido do artigo nº 1510-A, que em sua cabeça e parágrafos enumerados de 1º a 8º fornece a definição e um regulamento elementar deste novo direito real.

Sua redação, muito  sintética e objetiva, é transcrita em sua integralidade:
Art. 1.510-A.  O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo. (…)
§ 1º O direito real de laje somente se aplica quando se constatar a impossibilidade de individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos. 
§ 2º O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário do imóvel original.
§ 3º Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam isolamento funcional e acesso independente, qualquer que seja o seu uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas unidades.
§ 4º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade. 
§ 5º As unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local.  
§ 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou participação proporcional em áreas já edificadas.
§ 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.
§ 8º Os Municípios e o Distrito Federal poderão dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao direito real de laje.  

O ESSENCIAL ACESSO PARA VIA PÚBLICA

Situação que merece grande reflexão e criação de alguma forma de solução prática, talvez até mesmo alguma norma positivada, é a correta definição e demarcação de como se dará o necessário acesso à via pública para o titular da laje sobreposta.

O acesso exclusivo à via pública é requisito expresso e necessário para a instituição desta forma nova e especial de domínio conjunto sobre a propriedade de um imóvel.

O parágrafo 3º do referido artigo 1510-A, exige que a laje sobreposta e a propriedade sotoposta possuam isolamento funcional e acesso independente, para que assim possam ser consideradas como tal.

A adequada definição da testada do imóvel para a via pública é um aspecto singular que de modo algum poderá ser ignorado pela municipalidade que venha e regularmente aprovar o desdobramento de um imóvel na forma ora em análise. Além desta importante especificação cadastral e tributária, o acesso exclusivo (ou independente, no dizer do texto legal) para a via pública, irá representar para o habitante do imóvel em sobreposição, um endereço único, seu endereço de correspondência, sua identificação singular perante a sociedade.

Interessante ressalvar que possuir um endereço corretamente especificável e de reconhecimento geral é fato social de grande importância. Apenas quem não possui um endereço com tal característica sabe quanto isso faz falta em seus negócios e relações pessoais.

É notório que o valor das taxas de iluminação, limpeza e conservação da via pública são fixados para os imóveis em razão diretamente proporcional à sua testada, ou quantidade de metros lineares com frente para a via pública. Certamente a correta dimensão da área linear de acesso para a via pública será parâmetro mínimo para a cobrança das taxas referidas que serão de responsabilidade do proprietário horizontal de laje sobreposta pois o titular do direito necessariamente deverá responder pelos encargos e tributos incidentes sobre a sua unidade imobiliária (cf. art. 1510-A par. 4º)

Entretanto, possível e mesmo recomendável seria a criação de uma fórmula diferente para fixação de tais valores, onde se levasse em consideração a proporção entre as diferentes áreas úteis construídas ente o imóvel sotoposto e a laje a ele sobreposta.

O acesso independente – leia-se testada para via pública – é requisito essencial para a existência do direito de Laje Sobreposta. Tal característica fundamental, que diferencia de forma clara e inequívoca a Laje Sobreposta de qualquer espécie de propriedade em condomínio (edilício), contudo pode vir a representar grande dificuldade prática para o registro imobiliário das duas novas unidades que haverão de surgir com a bipartição da propriedade.

Seria possível, por exemplo, que o acesso exclusivo para a via pública viesse a representar uma testada relativamente extensa e precedida por um corredor de acesso igualmente extenso, de tamanho suficiente para, por exemplo, servir de espaço de guarda e estacionamento de veículos (uma garagem independente), ou seja, o proprietário da laje sobreposta pode perfeitamente adquirir também o direito de uso exclusivo de uma porção do solo, em nível da via pública, para nele realizar, além do acesso à sua residência, outros tipos de uso e atividades, situação esta que não descaracteriza o seu imóvel como sendo o que é, ainda e apesar de conter alguns metros quadrados de uso privativo do solo, uma forma de propriedade horizontal do tipo laje sobreposta.

Esta é a inteligência do disposto no § 1º  do novo artigo inserido no Código  Civil, acima transcrito.

O texto legal, ao condicionar a possibilidade da existência do direito de laje à uma necessária sobreposição ousolidariedade de edificações ou terrenos, não limita a forma como deve ocorrer este sobreposição. Evidente que a simples existência de uma pequena parte de construção em sobreposição a outra edificação ou porção do solo resulta em ser impossível a individualização de lotes autônomos.

A hipotética situação acima colocada certamente deverá de ocorrer na prática e deverá demandar boa dose de inteligência na interpretação do instituto.
Ao que parece, a melhor solução seria, quando da regularização de tal situação, levar em consideração, no Memorial Descritivo do imóvel, que o direito de laje sobreposta também utilizar-se-á de uma área perfeitamente delimitada na propriedade do solo, que tal área possui determinada testada, que é parte integrante e indissociável da laje sobreposta para a qual, além do acesso à via pública, representa espaço de uso exclusivo para a utilização da forma como o seu proprietário desejar.

DIFERENÇAS ENTRE UNIDADE AUTÔNOMA E LAJE SOBREPOSTA

A tradicional e muito conhecida forma de propriedade em Condomínio Edilício, com o direito de Laje não se confunde, mas representa direito sobre imóvel com algumas características especiais que são úteis para a melhor compreensão e aplicação prática deste novo direito real.

Todo condomínio edilício (apartamentos, salas comerciais, vagas de garagem ou o que mais a criatividade humana venha a conceber) representa forma de propriedade em condomínio que, grosso modo, se caracteriza pela existência de unidades autônomas vinculadas a frações ideais no solo e em partes de uso comum, existindo direitos e deveres atribuídos a todos os condôminos, regulamentos e normas que visam ordenar a convivência harmônica entre as partes e o uso comum de espaços e coisas, visando a diminuição de conflitos entre as pessoas que convivem neste tipo especial de comunidade.

Curiosa característica do condomínio edilício, desconhecida de grande parte da população é a existência de uma necessária vinculação da unidade autônoma com uma fração do solo onde está edificado o condomínio.

Para quem se surpreende com a necessidade ou importância desta imposição legal, basta conceber a situação hipotética em que o edifício venha a ser demolido e as unidades autônomas e o próprio Condomínio deixem de existir. Se este fato vier a ocorrer, ao dono do apartamento restará garantida ainda uma fração ideal da propriedade do solo, espaço aéreo e subsolo, mas em condomínio simples com todos os demais condôminos que, enquanto existente o edifício, eram proprietários de unidades autônomas.

Diferentemente do condomínio simples, no Condomínio Edilício, por uma ficção jurídica, existe propriedade plena de unidade autônoma, mas limitada ao regulamento existente para uso e fruição das partes comuns e exercício de direitos e deveres para com o Condomínio.

Por tal motivo o proprietário de um apartamento, pode usar e dispor da propriedade de seu imóvel – unidade autônoma necessariamente vinculada à fração ideal do solo e propriedade comum – sem nenhum tipo de restrição. Situação esta que não acontece no condomínio simples de frações ideais no terreno.
A laje sobreposta a ser regularizada como novo direito autônomo tem alguma semelhança física com a propriedade imobiliária de unidade autônoma integrante de condomínio edilício, principalmente com aquele tipo de unidade que possui acesso direto para a via pública.  Uma sala comercial situada em nível próximo da via pública, acima de vagas de garagem localizadas no subsolo ou em nível inferior a ela, é exemplo perfeito de tal semelhança.

A aparência semelhante, entretanto, não corresponde à realidade jurídica dos institutos.

A propriedade de unidade autônoma em condomínio, de fato, é propriedade plena de imóvel horizontal sujeito a regras de convivência, legais e convencionais. O direito de Laje Sobreposta, diferentemente não pode ser assim considerado.

Inconcebível seria, por exemplo, a nomeação de um síndico para representar o interesse das partes, igualmente inaceitável a existência de cobrança compulsória de contribuição condominal.

Entretanto, apesar da diferença jurídica existente entre as situações, é inquestionável e evidente que para a convivência harmônica entre os indivíduos a experiência adquirida em décadas de utilização da propriedade em condomínio edilício deve ser aproveitada, pois as situações em muito se igualam e os eventuais problemas que acontecem no condomínio poderão acontecer neste novo tipo de unidade imobiliária  representada pela laje sobreposta.

Exemplos de conflitos na convivência comum não faltam. Caso típico ocorre quando o habitante do andar superior, descuidando-se da impermeabilização de sua cobertura ou piso, ou ainda da correta condução das águas pluviais ou servidas (esgoto sanitário), vem a causar prejuízos e transtornos para o habitante do piso inferior. Os efeitos da lei da gravidade não podem ser contornados ou revogados por qualquer instituto jurídico e necessariamente quem ocupa um espaço inferior no mesmo imóvel, sofrerá os seus efeitos.

Por outro lado, podem ocorrer transtornos e incômodos em ordem inversa: o usuário do pavimento inferior pode pretender utilizar-se do espaço aéreo do titular do direito de laje, para nele fazer instalar reservatórios de água tratada (caixa d´água) ou antenas para recepção de sinais de radio difusão e tal necessidade de uso, igualmente, pode vir a ser fonte de conflitos entre pessoas.

O legislador ao outorgar um caráter autônomo ao direito de laje sobreposta, diferenciando-o de qualquer tipo de propriedade em condomínio (quer na forma tradicional ou na especial forma do condomínio edilício) poderia também, no mesmo dispositivo normativo, oferecer ao cidadão um esboço de regulamento, um conjunto mínimo de regras de utilização e convivência, como o existente no caso da propriedade em condomínio (art.1314 e seguintes do Código Civil).

Entretanto, na medida em que isso não foi feito, será natural que os usuários e os operadores de direito venham a se socorrer das lições da história para oferecer um regulamento para as relações de convivência entre os diferentes titulares de direitos sobre o imóvel quando a propriedade plena venha a ser descaracterizada, ou desdobrada, nas formas especiais e singulares das unidades autônomas do tipo laje sobreposta e propriedade horizontal sotoposta.

A própria escritura pública que irá instrumentalizar o direito e o registro imobiliário que deverá ocorrer para a efetiva concretização desta forma nova de propriedade imóvel, também poderia retratar regras convencionais que regulem a convivência harmônica entre os proprietários do imóvel em tal regime de propriedade espacialmente comum (embora juridicamente independente).

DIFERENÇAS ENTRE O DIREITO DE SUPERFÍCIE E LAJE

Doutrinadores diversos levantaram uma forma de polêmica, desnecessária no entender deste autor, contra esta nova forma de direito real por entendê-lo como novidade desnecessária, uma vez que a propriedade em projeção vertical, há muito, já está prevista em nosso ordenamento, sob a forma do Direito Real de Superfície.

Deveras, quando se tratar de propriedade de imóvel urbano, já previu o Estatuto da Cidade a possibilidade de, diferentemente da regra geral constante do Código Civil, criar-se um direito de superfície com prazo por tempo indeterminado e transmissível a herdeiros ou sucessores.

De fato, o direito de superfície sobre projeção vertical de um imóvel urbano e constituído com prazo de validade por tempo indeterminado em muito se assemelha ao novo direito (de laje em sobreposição), mas dele se diferencia por uma característica fundamental: na laje sobreposta existem unidades imobiliárias autônomas de titularidades distinta daquela originalmente existente.

Além disso, assim como ocorre com o condomínio edilício, para que o direito de laje possa existir, é necessária a existência de alguma edificação sobre o solo, ao passo que, o direito de superfície pode se referir unicamente a terreno sem benfeitoria alguma.

A APLICAÇÃO PRÁTICA DO DIREITO

Inquestionável que a laje sobreposta, por tratar-se de um direito real sobre imóvel, deverá ser criada e receber sua existência no mundo jurídico através da realização de uma escritura pública e seu correspondente registro junto ao registro de imóveis competente.

O cadastramento municipal e a obediência aos requisitos urbanísticos também será elemento fundamental, devendo o poder público manifestar-se no procedimento.

Aliás, a forma e oportunidade da participação da municipalidade no procedimento deverá ser um dos principais temas a ser debatido no início da aplicação prática deste novo direito real.

Regra geral, para transmissão da propriedade, constituição de hipoteca, contratação de alienação fiduciária, reserva ou instituição de usufruto ou ainda a contratação de qualquer outro tipo de direito real sobre imóvel, a aprovação prévia da municipalidade é dispensável, pois conforme preceito fundamental acima referido, o proprietário pode livremente dispor de sua propriedade (leia-se: vender, ceder, onerar…).

Entretanto, diante da particularidade do direito de laje sobreposta, a autorização da municipalidade parece ser necessária e de realização obrigatória, ainda antes da conclusão formal do direito junto ao registro imobiliário, pois é do Município a competência para regulamentar o uso da propriedade territorial urbana, sendo possível a existência de eventual proibição expressa de constituição deste tipo de direito real sobre imóvel, com fundamento no interesse da preservação de um menor adensamento do uso do solo urbano.

Por outro lado, inexistindo qualquer proibição legal de constituição de direito de laje e de adensamento no uso do solo urbano, em tese, a sua contratação seria permitida e a aprovação prévia da municipalidade para sua constituição, dispensável como, por exemplo, ocorre com a venda do imóvel com um todo.

Ainda sobre a dispensabilidade de aprovação prévia da municipalidade, é possível também defender tal situação quando em um único imóvel já exista regularmente aprovada pela municipalidade a construção de prédio residencial (ou de uso misto) de dois ou mais pavimentos, em que exista pluralidade de proprietários, em regime de condomínio de frações ideais e quando eles, proprietários, venham a decidir-se pela extinção deste condomínio tradicional, modificando a situação de incerteza jurídica sobre o uso do imóvel, característica básica do condomínio civil convencional, pelo regime de propriedades horizontais sotopostas e sobrepostas, estas devidamente individualizas e caracterizadas como unidades imobiliárias autônomas.

De fato, o objetivo principal da inicialmente referida Medida Provisória, é a regularização da propriedade urbana. Sendo o condomínio tradicional, causa comum de discórdias e querelas, a aplicação simplificada de qualquer dispositivo novo que venha a solucionar pendências e problemas já existentes no meio urbano, deve mesmo ser facilitada e incentivada. O regime de sobreposição de propriedades autônomas inaugurado com este novo direito, a laje sobreposta, é caso típico de situação consolidada que o direito se vê forçado a reconhecer.

VALOR ECONÔMICO E TRIBUTÁRIO

De alguma complexidade será a definição do valor tributário para a constituição do direito de laje sobreposta.

Inquestionavelmente tal negócio jurídico representa transmissão de bem imóvel e deverá ser tributado por imposto de transmissão (ITBI), quando ele tiver seu surgimento no mundo jurídico e econômico.

Ressalve-se, entretanto, que não é impossível que o regime de sobreposição (a laje sobreposta e a propriedade sotoposta) venha e ganhar sua existência jurídica através de um procedimento do tipo divisão amigável /extinção de condomínio / atribuição, quando então o tributo não será devido,
Para o necessário cadastramento municipal e fixação de valor venal para a propriedade horizontal sobreposta e a sotoposta poderá se valer a municipalidade da experiência adquirida com a propriedade em condomínio edilício, levando em consideração a área de uso exclusivo daquela unidade, o tamanho da testada para a via pública e ainda a existência de área de uso exclusivo de cada unidade.

Não se pode desconsiderar a possibilidade de que ao proprietário da laje sobreposta seja atribuída uma testada para a via pública relativamente ampla  (para a guarda de veículos, por exemplo) e que, portanto, pode representar área de solo de uso exclusivo, inclusive sem limitações de uso de espaço aéreo e de subsolo e que, portanto,  poderá ser tributada integralmente pelo imposto de propriedade, de forma análoga à propriedade plena.

A APLICAÇÃO NA PRÁTICA

Quando se redige este texto, por falta de maior detalhamento normativo (sequer a Medida Provisória foi convertida em Lei) mostra-se um pouco difícil a elaboração de qualquer modelo ou minuta de ato notarial que venha a instituir o direito de laje e a propriedade em regime de sobreposição e sotoposição.
Entretanto, entende este autor, que mesmo independentemente de autorização municipal ou maior detalhamento sobre a forma da aplicação prática deste novo direito,  em tese, seria possível a realização da extinção de um condomínio atualmente existente, contanto que junto ao cadastro municipal e registro imobiliário exista devidamente regularizada uma única construção predial.

Quando um imóvel existir como realidade concreta e jurídica no qual não se se pretenda a constituição de condomínio edilício ou se permita a divisão convencional, em virtude de sobreposição parcial de áreas construídas, para que o mesmo deixe de ser um condomínio convencional e transforme-se efetivamente em duas ou mais unidades autônomas, com matrículas e descrições próprias, necessário e de possível realização imediata, a instituição deste novo direito real.

Em sendo identificada tal situação (que se imagina de ocorrência comum) a elaboração de uma hipotética extinção de condomínio, transformando uma única propriedade  em unidades autônomas regidas pelo Direito de Laje, será de realização possível e imediata, sem a dependência de qualquer texto normativo complementar ou regulamentador.

Tal exercício teórico é tarefa que este autor se propõe realizar brevemente e igualmente oferecer para crítica e análise de eventuais interessados neste tema interessante e inovador.

* Marco Antonio de Oliveira Camargo é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de  Sousas

Fonte: CNB/CF | 31/01/2017.